Songbun – O sistema de castas da Coreia do Norte

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Quase todo mundo já ouviu falar do sistema de castas da Índia, que divide a sociedade entre os mais favorecidos (brâmanes) e os que vivem à margem da sociedade (dalits), baseado no hinduísmo. Também todo mundo já ouviu falar do Apartheid, o sistema de segregação da sociedade sul-africana que privilegiava os brancos em detrimento dos negros, ou seja, era baseada na raça. O que poucas pessoas conhecem é o sistema de castas da Coreia do Norte chamado songbun, que divide a sociedade e determina o destino de cada cidadão baseado no histórico político da sua família e na sua devoção ao regime, que abordarei neste artigo detalhando como surgiu, se consolidou e a influência deste sistema nos dias atuais.
(Foto Capa: North Korean Army soldiers and civilians on the stands of the Kim Il Sung Stadium, a photograph by Ilya Pitalev which won at the Sony World Photography Awards in 2013. Photograph: Ilya Pitalev/Sony) – Ilustra a divisão social, mas não representa exatamente o songbun.

Um direito de todo ser humano

Um sistema de castas é cruel e desumano não apenas por fomentar o preconceito entre as pessoas, mas principalmente por limitar de forma discriminatória as oportunidades e por consequência a vida e a liberdade de seres humanos que, essencialmente, devem ser livres. 

O tem 1 do Artigo II da Declaração Universal de Direitos Humanos diz que:

“Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”.

Destaquei em negrito aqueles pontos que são deliberadamente violados pelo sistema songbun da Coreia do Norte.

Criança de alto songbun no Parque Aquático de Pyongyang (2017) e criança de baixo songbun mendigando na estação de trem Hamhung, 2015

O governo da Coreia do Norte nega a existência do songbun, utilizando como um dos principais argumentos o Artigo 65 da Constituição do País que diz:

“Todos os cidadãos desfrutam da igualdade de direitos em todas as esferas de vida estatal e social.”

Acreditar que este artigo prove que a Coreia do Norte defende e respeita os Direitos Humanos e a igualdade de seu povo é um erro de interpretação comum para quem não conhece mais profundamente o regime, ou para quem simpatiza com ele.


Vídeo: oficial do Governo Norte Coreano negando a existência do songbun.

O fato é que existem muitos outros artigos na mesma Constituição que contradizem esta diretriz. A Constituição é muito clara em dizer que todas as pessoas devem viver uma vida socialista, como por exemplo o Artigo 10:

“… O Estado impõe a consciência revolucionária e da classe trabalhadora a todos os membros da sociedade mediante a intensificação da revolução ideológica e transformar toda a sociedade em um coletivo unido por laços de camaradagem.” (destaque meu).

Além disso, ela também dá sinais claros de que existe uma diferenciação na sociedade e como o Estado deve tratar cada um destes grupos:

Artigo 12

“O Estado mantém a linha classicista e fortalece a ditadura da democracia popular para defender com firmeza o poder popular e o regime socialista frente às manobras de destruição dos elementos hostis internos e externos.” (os “hostis internos”, que destaquei, nada mais são do que aqueles cidadãos que podem ser uma ameaça ao socialismo).

Artigo 42

“O Estado deve eliminar o modo de vida herdado da sociedade ultrapassada e estabelecer um novo modo de vida socialista em todas as esferas.” (destaques meus).

Artigo 76

“Os combatentes revolucionários, os familiares dos mártires revolucionários e patrióticos, os familiares dos membros do Exército Popular e os ex-militares desfrutam de especial proteção do Estado e da sociedade.” (destaques meus).

Ou seja, aqueles que não levam uma vida socialista conforme imposta pelo Estado são vistos como pessoas hostis e que devem ser eliminadas (não necessariamente mortas) com o objetivo de manter a pureza socialista da sociedade. Fica também evidente que a ancestralidade é um fator determinante, principalmente no que diz respeito a definir quem terá privilégios por parte do Estado.

Sim, não faz muito sentido e é confuso que a mesma Constituição diga que todos são iguais e em outras partes estabeleça a devoção ao regime socialista como uma forma de diferenciação dos membros da sociedade. No entanto, esta contorção foi devidamente explicada num artigo de 1995 da agência governamental Rodong Sinmun [1] que diz:

“Os direitos humanos socialistas não são direitos humanos supra-classe que garantem liberdade e direitos a elementos hostis”

Ou seja, quem é contra o sistema socialista é considerado hostil e consequentemente não poderá desfrutar de direitos humanos. Para não deixar nenhuma dúvida, o Artigo 64 da Constituição diz:

“O Estado garante a todos os cidadãos autênticos direitos, liberdade democrática e uma feliz vida material e cultural. Os direitos e a liberdade do cidadão na República Popular Democrática da Coreia aumentam mais com a consolidação e desenvolvimento do regime socialista.”  (destaques meus).

Fica evidente que quanto mais você contribui para o desenvolvimento e a consolidação do regime socialista, mais você poderá desfrutar dos direitos humanos e da liberdade. Cruel não?

Audiência Pública em Tóquio para a Comissão de Inquérito para a Coreia do Norte realizada pela ONU em diversas cidades do mundo ouvindo cerca de 400 norte-coreanos.

A ONU já fez diversas tentativas de negociação com a Coreia do Norte para que este sistema discriminatório fosse eliminado do país. Em 1981 a RPDC ratificou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, mas não o colocou em prática. E para concluir, o relatório da ONU da Comissão de Inquérito para a Coreia do Norte recomendou claramente que o país deve “acabar com a discriminação contra os cidadãos com base em sua percepção de lealdade política ou no contexto sócio-político de suas famílias”. Sem sucesso até agora.

De cabeça para baixo

Não existe uma tradição histórica de direitos humanos ou liberdades individuais na península coreana. A sociedade coreana pré-colonial da dinastia Chosun manteve uma estratificação social estrita baseada no confucionismo que dividia a sociedade entre nobreza, plebeus e escravos. Foram 500 anos sob o jugo deste reino feudal que moldou a cultura coreana e que foi intensificada com o período de 35 anos (entre 1910 e 1945) em que a península foi uma colônia de exploração japonesa.

Com o fim da II Guerra Mundial, a península foi dividida e o norte, sob influência soviética, promoveu a elevação do status social dos que até então eram os oprimidos (classe trabalhadora) subjugando aqueles que eram tido como opressores (proprietários de terras, empresários, líderes religiosos etc). Estas ações foram tomadas pela URSS mesmo antes da fundação do país em 1948. Em suma, o que se buscava era virar a sociedade de cabeça para baixo, colocando a base no topo e o topo na base. 

Animação demonstrando o processo de inversão da pirâmide social na Coreia do Norte com a implementação do socialismo.

Em 1946 o CPPCN (Comitê Popular Provisório da Coreia do Norte – órgão criado pelos soviéticos para construir o estado socialista na parte norte da península) conduziu a primeira campanha de registro de cidadãos, substituindo o histórico sistema de registro de família coreano por cartões de identificação de cidadão e registro de residência. Este cartão precedeu o sistema de songbun, uma vez que ainda não constava o registro familiar. [2]

Kim Il-Sung em 1946, com com soviéticos que ajudaram a criar o estado e a constituição do país.

A medida que a nova sociedade era construída, a CPPCN precisava ocupar os cargos importantes que antes eram dos japoneses ou apenas capitalistas, por pessoas que estivessem comprometidas com o comunismo. De 1946 até a formação do país, em 1948, houve um grande esforço para filtrar as pessoas que assumiriam estes novos postos, tais como professores, administradores e outros cargos do funcionalismo público. Para isto, foi realizado um profundo levantamento do histórico familiar destes candidatos, catalogando e registrando estes dados junto à sua ficha de cidadão. Se a pessoa tivesse um primo, irmão ou qualquer parente que tivesse relação com os inimigos do estado (japoneses, sul-coreanos, fazendeiros, comerciantes, religiosos, capitalistas em geral), não seria aceita para o cargo. [3]

A Guerra da Coreia, que ocorreu entre 1950-1953 contribuiu ainda mais para separar aqueles que apoiavam o regime socialista do norte e aqueles que eram considerados inimigos do regime. Quem lutou pelo norte contra o sul e os EUA ganhou um status diferenciado na sociedade, enquanto aqueles que colaboraram com o sul ou com os EUA, tiveram o seu destino e da sua descendência comprometido para sempre. O songbun se desenhava de forma implacável. [4]

Combatente durante a Guerra da Coreia

Tomates, Maçãs e Uvas

Songbun poderia ser traduzido como “ingrediente” ou “material”, ou seja, aquilo de que algo é composto. O Grande Dicionário da Língua Norte-Coreana (editado pelo governo da RPDC), chamado Chosun Mal Daesajon afirma: [5]

“As pessoas são categorizadas socialmente com base nas relações de classe social. Cada pessoa é fortemente influenciada em sua ideologia de classe por meio de sua formação ideológica. Cada um é classificado socialmente com base na origem, ocupação e estilo de vida, o que fornece uma compreensão da ideologia de classe de cada um. O songbun de uma pessoa não é completamente estático; pode mudar com o ambiente e as condições de vida”.

O processo de categorização da sociedade que começou em 1946 pelo CPPCN com o objetivo de formar uma nova elite do país baseado no comprometimento com o regime comunista, bem como isolar e eliminar aqueles que poderiam vir a ser um problema para o partido, começou a tomar novas dimensões, expandindo-se para toda a sociedade norte-coreana.

Relatório de unidades em 1950 considerando o songbun.

Entre 1957 e 1960, a pedido de Kim Il-sung, o PTC (Partido Trabalhista da Coreia) emitiu a Resolução de 30 de maio que deu início às “marcações” de classificação sociopolítica da população norte-coreana e promulgou o Decreto 149 que ordenou a remoção em grande escala daqueles considerados politicamente não confiáveis – em outras palavras, criando uma diferenciação entre amigo e inimigo dentro da população norte-coreana. [6][7]

Pelos métodos da resolução de 30 de maio, ⅓ de toda a população norte-coreana foi considerada hostil, um total de 3.200.000 pessoas. Destes, 6.000 foram condenados à prisão e 70.000 foram banidos para áreas inóspitas e isoladas. Aproximadamente 5.000 famílias foram removidas de Pyongyang, 600 famílias de Kaesong, 1.500 famílias de Hwanghae e 1.000 famílias de Kangwon, liberando estas cidades e províncias para a nova elite do país:  aqueles que eram comprometidos com o regime. [8][9]

Em fevereiro de 1964, a 8a. Sessão do 4o. Congresso do Partido aprovou uma investigação de todos os cidadãos norte-coreanos por meio do projeto de registro de cidadãos. O Congresso produziu um Manual conhecido como “Esboço Geral (Gaeyo)” que fornecia as diretrizes para investigar cada indivíduo, abrangendo até três gerações. [10]

Em 1970 o próprio presidente Kim Il-Sung relatou ao Quinto Congresso do Partido que o povo podia ser classificado em três grupos: classe “central” leal (haeksim), uma classe “vacilante” suspeita (dongyo), e uma classe “hostil” politicamente não confiável (choktae). [11]

Imagem de Kim Il Sung em Congresso do PTC no 3o. Congresso (apenas para ilustrar, não é do 5o. Congresso em questão)

Em 7 de fevereiro de 1971 o secretariado do PTC emitiu uma ordem aos secretários do partido em cada nível do PTC para revisar um documento intitulado “Índice de Classificação dos Povos” que explicava as 51 categorias originais do songbun. Uma vez concluída esta classificação, 3.915.000 de pessoas de 870.000 famílias foram classificadas como classe central, 3.150.000 de pessoas de 700.000 famílias foram classificadas como vacilante e 7.935.000 de pessoas de 1.730.000 famílias foram classificadas como hostil. [12][13]

No vídeo abaixo o ex-embaixador da Coreia do Norte em Londres Thae Yong-ho, que desertou, explica em uma longa entrevista como funciona o sistema de castas songbun.

Cronologia dos Projetos de Investigação de Songbun

Projeto/Período Descrição
Projeto de orientação intensiva PTC
Dezembro de 1958 – dezembro de 1960
Expor, punir e forçar a realocação de elementos impuros para aldeias remotas nas montanhas
Projeto de Registro de Residente (RRP)
Abril de 1966 – março de 1967
Classificação baseada no histórico familiar para armar um exército de um milhão de homens (investigue 3 gerações diretas e todos os parentes da esposa e da mãe que estão separados até o 6º grau de relacionamento)
Projeto de classificação para divisão da população em 3 classes e 51 subcategorias
Abril de 1967 – junho de 1970
Com base no projeto de recadastramento, toda a população é dividida em Classe Básica (principal), Classe Vacilante e Classe Hostil e, em seguida, dividida em 51 subcategorias
Projeto de Investigação de Residente (RIP)
Fevereiro de 1972 – 1974
Investigação e determinação das inclinações das pessoas com base nas discussões sobre as relações Norte-Sul e classificação das pessoas com base naqueles em que podem ser confiáveis, aqueles cujas crenças são um tanto duvidosas e aqueles que se acredita serem anti-estado
Projeto de Inspeção de Cartão de Identificação de Cidadão
Janeiro de 1980 – dezembro de 1980
Aumento do controle e inspeção e renovação dos cartões de identificação do cidadão de acordo com as ordens de Kim Jong-il, para expor elementos impuros.
Projeto sobre coreanos repatriados e desertores da Coreia do Sul
Abril 1980 – outubro 1980
Classificação dos coreanos repatriados que entraram na Coreia do Norte, incluindo aqueles que desertaram para a Coreia do Norte, em 13 subcategorias adicionais e atualização dos projetos de vigilância relacionados
Projeto sobre coreanos repatriados do Japão para a Coreia do Norte
Janeiro de 1981 – abril de 1981
Coleta de detalhes dos dados sobre ex-residentes coreanos no Japão que foram repatriados para a Coreia do Norte e modernização dos dados de vigilância
Projeto de renovação do cartão de identidade de cidadão
Novembro de 1983 – março de 1984
Renovação dos cartões de identificação do cidadão e atualização do dossiê de songbun para todos os residentes
Projeto de reinvestigação de residentes
Outubro de 1989 – dezembro de 1990 (* em algumas fontes, esta data é março de 1984 – outubro de 1989)
Revisão e reindexação do registro de residentes; desenvolvimento de dados históricos sobre famílias separadas (aquelas famílias separadas entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul durante a Guerra da Coréia)
Adoção da Lei de Registro de Cidadão
Novembro de 1997
Certidão de nascimento, certidão de cidadania, emissão de cartão de cidadão de Pyongyang
Renovação de cartões de cidadania
Fevereiro de 1998 – outubro de 1998
Mudança no estilo do passaporte para o estilo do cartão de crédito.
Troca de cartão de cidadania
Abril de 2004
Mudança do cartão de cidadania de um estilo com revestimento de vinil para um estilo de caderno de anotações

Fonte: Republic of Korea Ministry of Unification, “Pukhan Gaeyo 2009 (North Korea 2009),” (Seoul: Ministry of Unification, 2009), 322.

A foto à esquerda é da capa do Cartão de Registro de Cidadão da RPDC (carteira de identidade) emitido pelo Ministério da Segurança Pública (polícia nacional) e a foto à direita é a capa do Cartão de Registro de Cidadão da RPDC emitido pela Segurança Social Departamento (antigo nome do MPS / polícia nacional) antes de 2004.

Tabela com as três principais categorias do songbun

As 3 principais categorias que agrupam as 51 subcategorias de songbun são as seguintes: 

Classe Principal
Pessoas das famílias de trabalhadores, camponeses contratados (empregados agrícolas), agricultores pobres e trabalhadores administrativos durante a Dinastia Yi (Chosun) e ocupação japonesa, membros do quadro do Partido dos Trabalhadores da Coreia; famílias enlutadas de revolucionários (mortos em lutas anti-Japão); famílias enlutadas de patriotas (mortos como não combatentes durante a Guerra da Coréia); intelectuais revolucionários (treinados pela Coréia do Norte após a libertação do Japão); famílias dos mortos durante a Guerra da Coréia; famílias dos mortos em combate durante a Guerra da Coréia; famílias de militares (famílias de oficiais e homens da KPA em serviço ativo); e familiares de membros do serviço feridos durante a Guerra da Coréia. – Distinguir-se de indivíduos de outra classe, e oferecer privilégios especiais (matrícula em faculdade, promoção, racionamento, residência, tratamento e outras áreas).

– Recrutar como funcionário do partido, governo ou militar

Vacilantes
Pessoas das famílias de pequenos comerciantes, artesãos, pequenos proprietários de fábricas, pequenos prestadores de serviços; comerciantes de serviços médios; pessoas não afiliadas procedentes da Coreia do Sul; famílias de quem foi para o Sul (1ª Categoria); famílias de quem foi para o Sul (2ª Categoria); Pessoas que costumavam ser agricultores de médio porte; capitalistas nacionais; famílias de quem foi para o Sul (3ª Categoria); aqueles que repatriados da China; intelectuais formados antes da libertação nacional; o preguiçoso e corrupto; hospedeiras de taberna; praticantes de superstição; membros da família de confucionistas; pessoas que anteriormente eram figuras de influência local; e criminosos econômicos – Empregar como gerentes ou técnicos de nível inferior.

– Promover um número limitado para a classe de “massas centrais”.
Hostis
Pessoas de famílias de ricos fazendeiros, comerciantes, industriais, proprietários de terras ou aqueles cujos ativos privados foram completamente confiscados; pessoas pró-Japão e pró-EUA; burocratas reacionários; desertores do Sul; membros do Partido Chondoist Chongu; Budistas; Católicos; membros expulsos do partido; funcionários públicos expulsos; aqueles que ajudaram a Coreia do Sul durante a Guerra da Coréia; membros da família de qualquer pessoa presa ou presa; espiões; sectários antipartidos e contra-revolucionários; famílias de pessoas que foram executadas; qualquer pessoa libertada da prisão; e presos políticos; Membros do Partido Democrata, capitalistas cujos bens privados foram totalmente confiscados. – Atribuir trabalho perigoso ou pesado.

– Bloquear e suprimir admissões escolares, matrículas em faculdades e filiação a partidos.

– Classificar como sujeitos de controle, vigilância e persuasão.

– Controle: Por relocação forçada, acomodação separada.

– Vigilância: Lugar sob vigilância constante de movimentos.

– Persuasão: Reeducação intensiva.

– Reclassificar números muito limitados (por exemplo, crianças)

Fonte: Marked for Life: SONGBUN, North Korea’s Social Classification System, Robert Collins, 2012, pag 115, 116 e 117

Tabela com as 51 subcategorias de songbun

A tabela abaixo apresenta as 51 subdivisões do songbun. Importante que a classificação abaixo diz respeito aos antepassados da pessoa e não necessariamente sobre ela.

Descrição da Categoria Política do Partido
1 – Trabalhador
(Antecedentes básicos) Camponeses, trabalhadores agrícolas contratados e trabalhadores cujas posições eram inalterado antes e depois libertação e cujo social songbun era de trabalhador. Classe Principal
2 – Trabalhadores do campo contratados
Aqueles que vieram de famílias historicamente camponesas Classe Principal
3 – Fazendeiros pobres
Aqueles que viviam cultivando sua própria terra com pelo menos 50% de culturas mistas Classe Principal
4 – Trabalhadores do colarinho branco
Aqueles que trabalharam nas áreas do Partido, governo, administração, economia, cultura ou educação após a libertação Classe Principal
5 – Aqueles que eram intelectuais após a libertação
Aqueles que receberam educação secundária na Coreia do Norte ou em outros países comunistas após a libertação Aqueles que foram educados no exterior e sob vigilância, mas permaneceram parte da classe básica
6 – Familiares de Revolucionários
Famílias daqueles que foram sacrificados na luta anti-japonesa – Tratado como Classe Principal – Indicado para o Partido, Governo ou Posições Militares

– Aqueles incapazes de servir, dado os benefícios máximos da segurança social

7 – Familiares de Patriotas
Famílias de patriotas não combatentes mortos na Guerra da Coréia – Tratado como Classe Principal – Indicado para o Partido, Governo ou Posições Militares

– Aqueles incapazes de servir, dado os benefícios máximos da segurança social

8 – Familiares de mortos na Guerra da Coreia
Familiares daqueles que morreram na Guerra da Coreia Classe Principal
9 – Familiares de soldados mortos na Guerra da Coreia
Familiares de soldados que morreram na Guerra da Coreia Classe Principal
10 – Familiares de apoiadores
Familiares daqueles que serviram durante a Guerra da Coreia Classe Principal
11 – Soldados Honrados
Famílias de soldados da ativa Classe Principal
12 – Trabalhadores pós-libertação
Durante o processo da revolução socialista após a libertação, aqueles que se tornaram trabalhadores, mas eram anteriormente médios / pequenos comerciantes, industriais, intelectuais ou agricultores ricos Possuía anterior songbun ou atividades atuais que requerem vigilância e supervisão
13 – Fazendeiros Ricos
– Agricultores que contratam um ou mais trabalhadores agrícolas

– Agricultores que contratam trabalhadores para a época de plantio / colheita
Deve ser considerado como elemento de resistência devido a fortes indicações e sujeito a vigilância
14 – Capitalistas Nacionais
Comerciantes que eram capitalistas nacionais Classificados como elementos de resistência e sujeitos a vigilância geral
15 – Senhores de Terras
– Na época da reforma agrária em 1946, aqueles que tiveram 5 Jeongbo de terra ou mais confiscadas

– Aqueles que cultivavam até 3 jeongbo de terra
Sujeito a vigilância especial
16 – Indivíduos pro-Japão ou pró-EUA
Aqueles que realizaram atividades pró-Japão ou pró-EUA Sujeito a vigilância estrita
17 – Elementos Reacionários
Aqueles que serviram o Japão durante o período colonial japonês. Sujeito a vigilância estrita
18 – Aqueles do Sul (primeira categoria)
Famílias de fazendeiros ricos, proprietários de terras, capitalistas nacionais, pró-Japão, pró-EUA ou reacionários que vieram para o norte durante a Guerra da Coréia Sujeito a vigilância geral
19 – Aqueles do Sul (segunda categoria)
Trabalhadores e agricultores que cometeram crimes e foram para o norte durante a Guerra da Coréia Vigilância especial por ter sido removido do Partido
20 – Aqueles que foram expulsos do Partido
Falharam ao realizar missão partidária e, portanto, expulsos do partido Dados com problemas em seus registros
21 – Aqueles demitidos de seus trabalhos
Cadre que foi demitido de cargos após a nomeação Tratados da mesma maneira que os Removidos do Partido
22 – Aqueles que trabalharam para o inimigo
Aqueles que se renderam trabalharam para a polícia, unidades de segurança ou governo do lado da ROK durante a ocupação da ROK no norte durante a Guerra da Coréia Tratados da mesma maneira que os Removidos do Partido
23 – Famílias dos presos
Familiares daqueles que foram condenados a um tempo na prisão Tratados da mesma maneira que os Removidos do Partido
24 – Espiões
Aqueles presos como infiltrados ou espiões ou associados a eles Tratados da mesma maneira que os Removidos do Partido
25 – Faccionalistas anti-partido e anti-revolução
– Os do Partido Trabalhista Sul-Coreano em 1957

– Outros expurgados por ações anti-Kim Il Sung
Tratados da mesma maneira que os Removidos do Partido
26 – Familiares daqueles que foram executados
Famílias daqueles que foram executados por atividades anti-partido após a Guerra da Coréia Tratados da mesma maneira que os Removidos do Partido
27 – Aqueles libertos da prisão por crimes políticos
Os libertados da prisão após cumprir pena ou por crimes políticos Tratados da mesma maneira que os Removidos do Partido
28 – Aqueles que são preguiçosos
Aqueles que foram preguiçosos a vida toda e causaram problemas Vigilância geral por serem capazes de ser anti-revolucionários durante crises
29 – Hospedeiros
Xamãs, adivinhos, prostitutas, hospedeiras Vigilância geral por serem capazes de ser anti-revolucionários durante crises
30 – Aqueles culpados de crimes econômicos
Aqueles que cumprem pena de prisão por furto, assalto à mão armada, peculato Vigilância geral por serem capazes de ser anti-revolucionários durante crises
31 – Membros do Partido Democrático
Famílias daqueles que eram ativos no Partido Socialista Democrático da Coreia Vigilância especial com base na posição no Partido Democrata
32 – Religião Chondo ou membros do Partido Chongu
Ex-adeptos da religião Chondo ou do Partido Chongu Vigilância especial com base na posição no Partido Democrata
33 – Coreanos repatriados da China
Aqueles que retornaram do Nordeste da Ásia após 1957 Além de membros do Partido, os repatriados devem estar sujeitos à vigilância
34 – Coreanos repatriados do Japão
Coreanos repatriados que viveram no Japão O quadro escolhido de Soren junta-se ao Partido e o resto é colocado sob vigilância
35 – Aqueles que entraram na Coreia do Norte
Aqueles que entram na Coreia do Norte após a libertação Vigilância rigorosa daqueles que entram na Coreia do Norte após a libertação, mas não daqueles que entram após a libertação
36 – Intelectual educado antes da libertação
Aqueles que se formaram no ensino médio durante o período colonial japonês Parte deste grupo sujeita a vigilância
37 – Cristãos Protestantes
Cristão protestante no final da Guerra da Coréia Vigilância especial
38 – Budistas
Budistas no final da Guerra da Coréia Vigilância especial
39 – Cristãos católicos
Cristão católico no final da Guerra da Coréia Vigilância especial
40 – Estudante que estudou fora ou é famoso
Aqueles que estudaram no exterior ou fora da área ou eram famosos localmente Vigilância geral
41 – Fazendeiro independente
Agricultor que ganha a vida em sua própria terra Criado como da classe vacilante e ideologicamente doutrinada
42 – Pequenos empresários
Não tem instalações próprias, mas muda de local para local Doutrinável ideologicamente
43 – Empresário de nível médio
Comerciante que possuía residência e loja próprias Tratado como classe vacilante e convencido a mudar ideologicamente
44 – Artesãos
Aqueles que fizeram seus próprios produtos Ideologicamente indoutrinável
45 – Proprietários de pequenas fábricas
Aqueles que possuíam sua própria pequena fábrica Vigilância geral
46 – Prestadores de serviço mediano
Possuíam suas próprias instalações e edifícios e contratavam funcionários Convencido a mudar ideologicamente e tratado como classe vacilante, tanto quanto possível
47 – Pequenos prestadores de serviços
Ganharam a vida como pequenos prestadores de serviços Ideologicamente indoutrinável
48 – Aqueles do Sul (terceira categoria)
Famílias de trabalhadores e camponeses da Coreia do Sul que não eram culpados de crime político Ideologicamente indoutrinável
49 – Nenhuma categoria designada
Aqueles que não entraram em um partido político Ideologicamente indoutrinável
50 – Membros do Partido 
Membros do Partido  Classe básica, tratada como quadro
51 – Capitalistas
Aqueles que perderam todos os seus ativos comerciais para a nacionalização após 1946 Vigilância estrita

Fonte: Marked for Life: SONGBUN, North Korea’s Social Classification System, Robert Collins, 2012, pag 111 a 114

Foi necessário criar uma enorme organização com mais de 7.000 membros do Partido, além da Polícia Secreta do Ministério de Segurança do Estado e os líderes de comunidades habitacionais (Inminban) para entrevistar parentes e vizinhos e conseguir categorizar cada um dos quase 18 milhões de norte-coreanos. Na maioria dos casos, a pessoa investigada não era entrevistada. [14]

Esta estrutura foi reorganizada com o tempo mas se mantém ativa mantendo os registros de todos os norte-coreanos atualizados sobre seu histórico familiar a cada 2 anos, registrando sua devoção ao regime e a devoção de seus parentes. [15] Melhorar o songbun é algo muito complexo e difícil, no entanto, ter o seu songbun rebaixado é algo muito fácil de acontecer, basta ter algum tio que se envolveu em algum crime, um irmão que desertou ou uma tia cristã por exemplo.

Embora muitos norte-coreanos não saibam exatamente qual seja o seu songbun, ou até mesmo que existe esta terminologia, todos de alguma maneira sabem qual seu papel na sociedade e entendem que o local onde vivem, o emprego que tem, a comida que comem e as expectativas que podem ter para o seu futuro, dependem totalmente do seu passado e de sua devoção e obediência ao regime. 

Informalmente, é comum os norte-coreanos se referirem à elite como tomates (pois são vermelhos por fora e vermelhos por dentro) ou seja, bons comunistas; os vacilantes como maçãs (que são vermelhas por fora e brancas por dentro) ou seja, não tão confiáveis e que demandam constante educação política; e os hostis como uvas, considerados irresgatáveis. [16]

Implicações Sociais do Songbun

Além da Comissão de Inquérito para a Coreia do Norte da ONU, que produziu um importante relatório em 2014, entrevistando quase 400 norte-coreanos (70 deles estão em vídeo disponíveis aqui), muitas outras entidades internacionais como a Human Rights Watch, Anistia Internacional, The Committee for Human Rights in North Korea e Liberty in North Korea entrevistaram centenas de refugiados norte-coreanos, desde cidadãos comuns até importantes ex-militares e políticos para obter informações que, naturalmente, não são fornecidas pelo governo da Coreia do Norte. O resultado é a confirmação, por diferentes pessoas de diferentes regiões e classes sociais, de que o songbun determina e limita o destino de cada cidadão do país baseado no seu histórico familiar e na sua devoção ao regime, com significativas implicações nas seguintes áreas:

Partido: 

A Coreia do Norte é um país de partido único conforme previsto no artigo 11 da Constituição. Outros partidos existem mas são figurantes e subordinados ao PTC (Partido Trabalhista da Coreia), que possui o poder de designar os deputados da Assembleia Popular Suprema e com isto controlar politicamente o país. O Presidente do Partido é Kim Jong-un. 

 

Ser membro do partido garantirá alguns privilégios, mas não é todo mundo que pode fazer parte dele. Assim como aplicado desde 1946, uma profunda análise do histórico familiar do candidato determinará se ele poderá ou não ser aceito. Além disto, precisará ter um histórico de grande devoção e subordinação ao regime. O partido possui atualmente pouco mais de 3 milhões de membros, para uma população de 25 milhões de norte-coreanos. [17]

Carreira Militar:

A Política Songun (não confundir com Songbun) foi criada por Kim Jong-Il e pode ser resumida em “Militares Primeiro”. Ela surgiu durante a Grande Fome da década de 90 onde foi preciso destinar os alimentos e os recursos preferencialmente para os militares, que estavam lutando para manter a integridade do regime. Esta política prioriza e eleva o status dos militares, sendo uma opção para aqueles que não possuem excelente songbun terem algum tipo de privilégio.

 

Atualmente, cerca de 30% do efetivo militar é composto pela Classe Principal, 50% pelos Vacilantes e 20% pelos hostis. O songbun determinará dentro da força militar o limite de patente que cada um poderá alcançar. Um hostil por exemplo, não poderá ter acesso à armas e desempenhará um trabalho braçal, especialmente na construção civil. Os vacilantes ficarão com as patentes intermediárias enquanto as patentes superiores, como Generais, ficarão necessariamente para a classe principal. [18]

Justiça: 

O Código Penal da Coreia do Norte é curto e vago em suas diretrizes e extremamente orientado ideologicamente, abrindo margem para as mais diversas interpretações pelo juiz. Além disto, os considerados “crimes contra o estado” são julgados apenas pelo Tribunal Superior (como se fosse o nosso STF, mas com apenas um juiz – principal, e dois auxiliares), sem direito a recurso. Os advogados não server para defender o réu, mas sim para orientá-lo sobre onde ele descumpriu a lei. [19][20]

As pessoas com alto songbun conseguem facilmente se livrar das penalidades por influência política ou por suborno, enquanto o restante da população está totalmente vulnerável a um processo judicial injusto, ideológico e que poderá condená-las à campos de trabalho forçado por muitos anos, por toda a vida, ou à morte. Isto faz com que os vacilantes e hostis vivam em constante medo e sob forte vigilância da polícia do Ministério de Segurança Social e principalmente dos líderes de comunidades, que respondem diretamente à este ministério e devem informar periodicamente as atividades e o comportamento dos membros daquela comunidade, quanto à sua devoção e obediência ao regime. [21][22]

Família:

Na sociedade profundamente politizada da Coreia do Norte, o principal critério para a seleção de um cônjuge é o seu songbun. É praticamente impossível haver um casamento entre alguém da classe principal com um hostil por exemplo. Seis em cada 10 casamentos são realizados por casamenteiros, que perguntam sobre o histórico familiar de um candidato para filtrar aqueles que não se enquadram no perfil. [23] Os demais se contentam em encontrar pessoas do seu convívio social, seguindo a orientação de seus pais, que além de arranjarem os casamentos, também educam seus filhos a aceitar e nunca questionar o padrão social onde nasceram, conscientizando-os de que não haverá nenhuma esperança de ascensão social. 

Já para aqueles que se encontram na classe principal, ou os vacilantes melhor qualificados, o status social e o songbun de um pretendente são ótimas oportunidades para melhorar um pouco mais sua qualidade de vida. Quando o complexo da Rua Mirae, em Pyongyang foi inaugurado, com seus lindos e enormes apartamentos destinados a professores e cientistas, houve uma corrida de jovens moças norte-coreanas a procura dos futuros moradores desta rua, me contou a guia norte-coreana enquanto passeávamos por este complexo.

Moradia: 

Cerca de 60% das habitações na Coreia do Norte são do tipo mais simples e básico, como apartamentos de 2 ou 3 cômodos (para até duas famílias), casas em fazendas e cooperativas agrícolas. Apenas 15% da população vive em habitações de alto padrão, que podem ser apartamentos de 121m2 a 182 m2 . Cerca de 99% das pessoas que vivem em Pyongyang são membros do Partido, candidatos a membro ou familiares de membros. [25]

Um casal recém casado leva de 4 a 5 anos em média para conseguir sua casa própria, até lá, deverá compartilhar a casa com seus pais ou seus sogros. [26] Se a casa não atingir a lotação máxima, poderão nunca ter seu próprio lar. Como todas as habitações na Coreia do Norte são do Estado, não há a possibilidade para alguém escolher onde irá morar, ficando a cargo do governo designar onde cada pessoa poderá se estabelecer, utilizando como principal critério o songbun destas pessoas.

Emprego: 

Embora o artigo 70 da Constituição da Coreia do Norte diga que todo cidadão tem o direito de trabalhar onde quiser e com o que quiser, não é bem assim que as coisas funcionam. Uma vez que todas as empresas são do Estado, a ocupação de uma pessoa é determinada pelo Partido, a depender de dois critérios: sua formação familiar (songbun) e os requisitos de trabalho para o cargo almejado.

 

Antes de se formar no Ensino Médio, cada jovem cidadão deverá preencher um currículo que contempla o seu histórico familiar entre outras informações. Este currículo será encaminhado para a Secretaria de Trabalho do Comitê Popular Local e será confrontado com as informações do Projeto de Cadastro de Residentes. Dependendo do resultado desta análise, o candidato poderá ser designado para ingressar no Exército, será permitido ir para a Faculdade ou deverá assumir algum trabalho local. A depender do songbun, ele poderá escolher entre estas funções, mas para alguns não haverá nenhuma chance de escolha. [27][28]

Alimentação:

É impossível falar da Coreia do Norte e não citar a Árdua Marcha, o período da Grande Fome da década de 1990 que matou mais de 1 milhão de norte-coreanos de fome, em grande parte, pela má gestão administrativa, por problemas climáticos e, principalmente, pela gestão ideológica do acesso à alimentação, uma vez que os alimentos que chegavam de doações da ONU e dos EUA eram destinados primeiro à elite (alto songbun) e aos militares (por conta da política songbun – Militares Primeiro). Segundo desertores que moravam em regiões inóspitas durante da Grande Fome, 78,2% deles disseram que as comidas advindas de ajudas humanitárias nunca chegaram por lá. [29][30]

O Estado também controla a distribuição de alimentos, que alguns chamam de ração mas eu, por respeito ao povo norte-coreano, prefiro chamar de cesta básica. A quantidade e o tipo de alimentos, que em geral são grãos, vegetais, óleo e ovos, são selecionados utilizando-se como base o status social, que por consequência está baseado no songbun. Fazendo com que algumas pessoas tenham acesso a alimentação mais elaborada e em maior quantidade, enquanto outros tenham de sobreviver com pouca comida e de baixa qualidade. Em média, cada norte-coreano recebe 300 gramas de comida para se alimentar por dia. Segundo a ONU em relatório de 2019, atualmente cerca de 40% da população da Coreia do Norte está desnutrida.

Educação:

A Constituição da Coreia do Norte não tenta esconder, principalmente nos Artigos 40 e 41, que existe uma fortíssima doutrinação para impor o modo de vida socialista em toda a população. Desta maneira, os professores são diretamente responsáveis pela doutrinação e, por que não dizer, lavagem cerebral de toda a população afim de moldá-las para o socialismo. Não à toa, são tão respeitados e privilegiados dentro do regime.

Para ser um professor ou mesmo para ter acesso à faculdade, seu songbun será determinante. Existem inúmeros relatos de desertores que mesmo tendo as melhores notas, e inclusive dado suborno aos avaliadores, não conseguiram acesso à faculdade por terem em seu histórico familiar algum tio que desertou para o sul ou um primo religioso, por exemplo. Mesmo durante o ensino fundamental ou médio, os alunos que possuem pior songbun são discriminados pelos professores, enquanto os com melhor songbun são frequentemente bajulados. [31][32][33]

Saúde:

Frequentemente citado pela militância e pelos simpatizantes como um dos melhores sistemas de saúde do mundo, e acessível a todos (baseado especialmente na informação estatal e na visita da diretora da Organização Mundial da Saúde em 2010, que elogiou o sistema, assim como o Banco Mundial, que coloca a Coreia do Norte entre os melhores do mundo), o sistema de saúde da Coreia do Norte é um dos assuntos mais controversos, pois parte dos órgãos internacionais, e principalmente desertores, pintam um cenário catastrófico, enquanto parte da área de saúde prefere não opinar ou opta por elogiar o sistema. 

Os órgãos que eventualmente visitam a Coreia do Norte são levados para lugares preparados com antecedência pelo regime para recebê-los, sem a opção de escolher aleatoriamente para onde irem sem qualquer aviso prévio. Além disto, órgãos humanitários que trabalham no país preferem não omitir opinião, ou apenas elogiar o regime, para que possam continuar suas atividades salvando vidas e ajudando as pessoas. A Coreia do Sul juntamente com a OMS, realiza importantes investimentos e aportes financeiros no sistema de saúde norte-coreano, com o único objetivo de salvar vidas, nem que para isto seja necessário elogiar ou não criticar o sistema de saúde, uma vez que criticar o governo poderia interromper este trabalho humanitário.

Na prática, a saúde na Coreia do Norte só entrega níveis aceitáveis para quem possui bom songbun e, por consequência, pode morar em grandes cidades onde os hospitais de referência se encontram, enquanto pessoas de baixo songbun devem se contentar com as instalações precárias, falta de medicamentos e escassez de recursos hospitalares.

Religião:

Outra típica incongruência da Constituição da Coreia do Norte é o artigo 68 que determina que todo cidadão norte-coreano é livre para ter a religião que desejar e professar sua fé. No entanto, mais uma vez, não é isto que ocorre na prática. São inúmeros os relatos de religiosos, especialmente cristãos, que são perseguidos e mortos por professarem sua fé. De acordo com a “Política de uso Limitado” (até 1953) e a “Política de Supressão” (1954 – 1958), os cristãos e suas famílias foram expulsos de suas casas, realocados e muitas vezes mortos enquanto suas igrejas eram destruídas. [34] A Open Door e outras instituições religiosas condenam as perseguições a cristãos na Coreia do Norte, também citado em diversos outros relatórios de órgãos que monitoram os Direitos Humanos na Coreia do Norte.

Em Pyongyang existem 5 igrejas cristãs, que, segundo Hwang Jang Yop, que foi Secretário de Assuntos Internacionais do PTC e atualmente o desertor de maior importância da Coreia do Norte, estas igrejas todas são de fachada e as pessoas que ali frequentam são crentes falsos. Se reparar nas fotos, notará que nenhum destes religiosos carrega o broche símbolo dos membros do Partido, o que já demonstra que trata-se de pessoas de baixo songbun e que possivelmente se submetem a esta tarefa com o objetivo de conseguir algum tipo de melhora de sua qualidade de vida, prestando um serviço para o Estado. Os cristãos genuínos, segundo Yop, não vão à estas igrejas e fazem seus cultos de maneira reservada e escondida. 

O Songbun Atualmente

Nos anos 90 a sociedade norte-coreana precisou buscar alternativas para sobreviver à grande fome que matou mais de 1 milhão de pessoas, encontrando no mercado informal uma maneira de se desenvolver economicamente e enriquecer, criando uma nova classe social baseada no poder aquisitivo, chamada donju.

Os norte-coreanos atualmente enxergam, em termos de desigualdade social, muito mais o poder aquisitivo do que o songbun, uma vez que ter dinheiro significa status social e principalmente garante a chance de conseguir muitos privilégios via suborno. No entanto, o songbun não está totalmente eliminado. Os hostis continuam isolados em montanhas inóspitas e boa parte dos donju já faziam parte da elite do país. De qualquer maneira, o acesso a uma renda complementar gerada pelos donju tem diminuído a dependência do Estado para parte da população, o que não deixa de ser algo positivo.

Ascender socialmente na Coreia do Norte, por mais que hoje seja um pouco menos difícil do que no passado, ainda é um grande desafio, principalmente para quem não tem um histórico familiar de apoio e submissão ao regime.

Este artigo foi baseado especialmente na Constituição da Coreia do Norte (com a última revisão de 2019) traduzida pelo CEPSBR e no Relatório do The Committee for Human Rights in North Korea, 2012 organizado por Robert Collins intitulado: Marked for Life: Songbun. North Korea’s Social Classification System (Marcados para a Vida: Songbun. Sistema de Classificação Social da Coréia do Norte), que entrevistou mais de 70 norte-coreanos refugiados além de vasta referência bibliográfica (que menciono algumas abaixo) e documentos oficiais do Estado. Estas informações e relatos foram devidamente corroboradas por outros órgãos como a ONU, Anistia Internacional, Human Rights Watch, Liberty in North Korea, ex-embaixador da Coreia do Norte em Londres Thae Yong-ho, o ex-secretário para assuntos internacionais do PTC Hwang Jang Yop, autoridades especializadas no país, agências de notícias que cobrem a RPDC, e claro, minha experiência pessoal quando visitei o país em 2018.

 

Referências Bibliográficas :

1 Chamdaun Inkweoneul Onghohayeo (Para a Proteção dos Verdadeiros Direitos Humanos), ”Rodong Sinmun (Diário dos Trabalhadores), 24 de junho de 1995; conforme citado em Kim Soo-Am, Concepções de Democracia e Direitos Humanos na República Popular Democrática da Coreia , Ministério da Unificação Nacional, 2008. 

2 Hyon In-ae, “North Korean Resident Registration System,” 11.

3 Lee Song Ro, North Korea’s Societal Inequality Structure, 52-53.

4 Desertor norte-coreano Hyon In-ae, “Bukhan-ui Jumin Deungnok Jedo-e Gwanhan Yeongu (estudo sobre o sistema de registro de residentes norte-coreanos)” (dissertação de mestrado, Ewha Womans University, 2008), 12. Além de reger Em várias entrevistas para este jornal, a Sra. Hyon também usou suas próprias experiências crescendo na Coreia do Norte para fornecer informações para seu jornal.

5 Chosun Mal Taesajon Vol. 1 (Pyongyang: Sociology Publishing Company, 1992), 1762.

6 Andrei Lankov, “The Repressive System And The Political Control In North Korea”, em Severnaia Koreia: vchera i segodnia (North Korea: Yesterday and Today) (Moscou: Vostochnaia literatura, 1995)

7 Kim Yong-gu, “North Korean Residents ‘Songbun,” 70-75; e Andrei Lankov, “The Repres- sive System And The Political Control In North Korea,”

8 Lee Song Ro, North Korea’s Societal Inequality Structure, 72.

9 Kim Yong-gu, “North Korean Residents’ Songbun,” 70-75.

10 Kim Hak-jun, et al, Life in South and North Korea (Seoul: Pak Young Publishers, 1989); p.45.

11 Kongdan Oh, “Political Classification and Social Structure in North Korea,” Brookings Institution, June 5 2003, 

12 Republic of Korea Moral Culture Board, North Korea’s True Situation (Seoul: Koryowon, 1986), 111.

13 Kim Yong-gi, “Class Inequality Structure and Class Policy,” 206.

14 Lee Song Ro, North Korea’s Societal Inequality Structure, 71. ver Também Andrei Lankov, “The Repressive System And The Political Control In North Korea,” 

15 Hyon In-ae, “North Korean Resident Registration System.”

16 Hunter, Kim Il-song’s North Korea, 4.

17 Lee Song Ro, North Korea’s Societal Inequality Structure, 317.

18 Entrevista com desertor militar de nível médio , 18 de março de 2011. No passado, cada PPC de condado era composto por 7 a 8 funcionários, mas esse número aumentou para 10 em 2011.

19  Kim Jong-il, “Sabeop Geomchal Sa-eop-eul Gaeson Ganghwa Haldae Daehayeo (On Improving Legal ProsecutionTasks)”, Kim Jong-il Collected Works, Vol.7 (Pyongyang: Korean Workers ‘Party Publishing House: 1996) p.321.

20 2001 White Paper, 8

21 Criminal Procedures Act of the Democratic People’s Republic of Korea, Article 4 (Pyongyang:Foreign Languages Publishing House, 1992), p.1.

22 2008 White Paper (KINU) Ibid, 133.

23 Instituto Coreano de Unificação Nacional, 2009 MiBukhan Gaeyo , 2009, 28. 

24 Naver Encyclopedia, s.v. “Marriage in North Korea,”

25 Republic of Korea Ministry of Unification, “North Korea 2009,” 347; and Kim Byong-ro and Kim Song-chol, “North Korean Society’s Inequality,” 51-52.

26 Misery and Terror,” 8, http://www.fidh.org/ MISERY-AND-TERROR-Systematic-Violations-of; and Kim Byong-ro and Kim Song-chol, “North Korean Society’s Inequality,” 51-52.

27 Marked for Life: SONGBUN, North Korea’s Social Classification System, Robert Collins, 2012, pag 53

28 1996 White Paper, 68.

29 “MISERY AND TERROR: Systematic Violations of Economic, Social and Cultural Rights in North Korea,” (International Federation for Human Rights:2003), 12.

30 “78% of N.Korean Defectors Never Saw Foreign Food Aid,” Chosun Ilbo, April 6, 2011 

31 “Misery and Terror,” 8-9, https://www.fidh.org/en/region/asia/north-korea/MISERY-AND-TERROR-Systematic

32 Author interviews with North Korean defectors of higher songbun

33 Hunter, Kim Il-song’s North Korea.

34 Kim Yong-gu, “North Korean Residents’ Songbun,” 70-75.

 

Links de Fontes:

https://www.hrnk.org/uploads/pdfs/HRNK_Songbun_Web.pdf

https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf

https://www.ohchr.org/en/hrbodies/hrc/coidprk/pages/reportofthecommissionofinquirydprk.aspx

https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/ccpr.aspx

https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/cescr.aspx

https://news.un.org/en/story/2019/05/1037831 

https://www.libertyinnorthkorea.org/blog/songbun 

https://cepsongunbr.com/2020/07/29/leia-a-constituicao-da-coreia-do-norte-em-portugues/

https://www.nknews.org/2015/02/songbun-and-the-five-castes-of-north-korea/

https://www.dailynk.com/english/north-korea-orders-reorganization-countrys-caste-system-songbun/

http://www2.law.columbia.edu/course_00S_L9436_001/North%20Korea%20materials/hwang%20jang3.html

https://cepsongunbr.com/2019/06/29/o-codigo-penal-da-coreia-do-norte/ 

https://www.bbc.com/news/world-asia-pacific-10665964 

https://www.youtube.com/watch?v=MnBfaZs-EMU

https://www.youtube.com/watch?v=_MuOWKtUyng

https://www.youtube.com/watch?v=1DUKqFcXqUs

 

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