Seus brinquedos não tinham tinta com chumbo porque alguém disse que pode ser prejudicial. Eu brincava de derreter chumbo de roda de carro para fazer brinquedos.
Você comeu fruta do mesmo jeito que comia um pacote de bolacha, não fazia nem ideia de onde elas vem. Eu comia carambola, pitanga, ameixa, goiaba, mexerica, amora direto da árvore, subia nelas e ia escolhendo e comendo enquanto tinha uma vista super legal lá de cima.
Eu comi terra e bunda de tanajura.
Você brincou de The Sims e achou o máximo, nem sabe como é brincar de Playmobil e ainda simular o incêndio em um edifício tacando fogo em tudo, com álcool mesmo.
Possivelmente você só andou de carro no banco de trás, na cadeirinha apropriada e devidamente seguro. Eu cansei de viajar para Santa Catarina no porta-malas de uma Belina 82.
Você entrava no carro e alguém já colocava um DVD de algum desenho ou te dava um tablet só para você não se entediar. Eu viajava o caminho todo cantando Mariana conta, A árvore da montanha, Um elefante incomoda, e tantas outras músicas, além de ir brincando com as pessoas dos outros carros na estrada ou brincando de final de placa.
Com alguma idade você ganhou um carrinho elétrico que imitava uma Ferrari ou algo assim, eu descia minha rua de carrinho de rolimã ou em uma tabua de fórmica que escorrega que só, desviava dos carros no caminho e se espatifava na calçada no final da rua.
Talvez você tenha tido um arranhão e foi correndo levado ao hospital. Eu quebrei as duas pernas e os dois braços, um dedo e tenho algumas cicatrizes.
Quando você quis um brinquedo maior, como um balanço ou um escorregador, seus pais compraram ou já tinha mesmo no Playground do seu condomínio. Meu pai me ensinou a cortar um pneu, subir na árvore, amarrar com um ferros, soldar (com faísca e tudo) e no final do dia estava eu brincando no balanço que eu mesmo fiz.
Com muito controle e cuidado, você vai até um parque adequado, você solta uma arraia com uma linha que protege os dedos e respeita o pipa dos coleguinhas. Eu quebrava lâmpada fluorescente, fazia o cerol com farinha de trigo, cortava o pipa dos amiguinhos e subia no telhado do vizinho para pegar um pipa que caiu por ali.
Enquanto você jogava Fifa ou PES, eu estava colocando pedras na rua, fazendo golzinho, jogando bola descalço e chutando asfalto até tirar o tampão do dedão.
Andar sozinho pela cidade antes dos 16 nem pensar né? Eu pegava ônibus aos 9 anos sozinho, passava por debaixo da catraca e ia para qualquer lugar do bairro.
Talvez eu esteja apenas sendo nostálgico pelo dia de hoje, mas quando vejo estas crianças hoje com nojinho de lama, fico realmente preocupado.
Interagir com o real é muito mais legal do que com o virtual.
Se você desviar o olho do Pokémon, vai ver uma rua, um gramado, uma árvore ou algo que para você era pura paisagem, mas na minha época, com um pouco de criatividade, era uma tremenda diversão.
Talvez daqui há 30 anos você fale de sua época como eu falo hoje da minha, mas certamente a sua não foi tão real, tão intensa e tão divertida como a minha.