A Usina Vladimir Ilich Lenin, mais conhecida como Usina Nuclear de CHERNOBYL, foi de orgulho da URSS à sua maior vergonha, além de ter colaborado para a queda do regime comunista russo.
Eu estive lá e conto tudo neste post.
Na década de 1970 a URSS investia pesado em desenvolvimento e na produção de energia em larga escala. Os RBMK (reatores canalizados de alta potência) foram criados para atender esta demanda sendo 4 deles instalados na Ucrânia. O nome da usina era uma homenagem a Lenin.
No dia 25 de Abril de 1986 estava programada uma manutenção simples no reator número 4. Os engenheiros resolveram aproveitar a ocasião para testar a capacidade de resfriamento do reator em caso de falta de energia. Não era nada preocupante, apenas um exercício de rotina.
Por falhas humanas, o reator não resfriou e acabou superaquecendo, sem sucesso no controle do calor, às 01:23 da madrugada do dia 26, veio a primeira explosão. No prédio, 176 funcionários atônitos assistem a um lindo e desesperador efeito de luzes que acompanhava a explosão.
A explosão expôs o núcleo do reator liberando urânio e grafite altamente radioativos na atmosfera. A fumaça se expandia chegando a cidades vizinhas. Os bombeiros chegaram no local totalmente despreparados. Dois morreram na hora e 28 no mês seguinte em decorrência da radiação.
Mil e duzentas toneladas de magma ardiam a mais de 3.000 graus célsius. O calor só aumentava, a poeira e a fumaça radioativa se alastravam rapidamente. O risco de uma nova explosão era iminente. Em Pripyat, cidade ao lado, os níveis de radiação já estavam 15 mil vezes acima do normal.
Mikhail Gorbachev, líder da URSS à época, mais tarde viria dizer que havia sido informado de que tinha ocorrido um incidente, que estava tudo sob controle e inclusive que o reator 4 poderia voltar a funcionar em 1 ou 2 meses. Como veremos, mentiras não faltarão nesta história.
Enquanto Moscou dizia não saber de nada, helicópteros sobrevoavam a usina tentando conter o calor. Pripyat já começava a ser evacuada e pastilhas de iodo a serem distribuídas para diminuir os efeitos da radiação. Mas todos diziam que estava tudo sob controle…
Quase 200 cidades e povoados no entorno da usina foram evacuados às pressas criando a Zona de Exclusão de Chernobyl. Mais de mil ônibus foram direcionados só para Pripyat em um único dia. Neste memorial em Chernobyl que visitei, uma homenagem às cidades/povoados evacuados.
A nuvem radioativa já avançava pela Europa chegando até a Suécia. O Governo sueco junto com os EUA analisou imagens de satélite e descobriu que a usina de Chernobyl havia explodido. A URSS não tinha mais como esconder o acidente, o mundo já sabia e exigia respostas.
Gorbachev diz que só ficou sabendo do acidente de Chernobyl por conta da investigação dos EUA e da Suécia e teria na época exigido da KGB relatórios rápidos e entregues diretamente para ele. Dois dias depois saiu uma nota de 20 segundos na rádio local informando do “incidente”.
Oitenta helicópteros foram enviados de Moscou e soldados vieram do Afeganistão. Areia e outros sedimentos eram jogados na tentativa de conter o calor, que na parte superior da usina, variava de 120 a 180 graus célsius. A radiação mataria uma pessoa em 30 minutos de voo.
Após uma semana, em 1o. de Maio, uma Parada e uma festa eram esperadas em Kiev para um dos feriados mais importantes para os comunistas: Dia do Trabalho. No jornal Pravda (Verdade), uma pequena nota dizendo que havia ocorrido um incidente mas o pior já tinha passado. Era mentira.
As festividades ocorreram normalmente na “Parada da Morte”. Todos os registros foram destruídos pelos soviéticos. As poucas fotos que existem são de um fotógrafo autônomo que cobriu todo o acidente. Mais tarde, o responsável pelo comitê das festividades se suicidaria.
O risco de uma nova explosão só aumentava. Engenheiros responsáveis pelos mísseis nucleares foram até o local para analisar os riscos. Se houvesse uma segunda explosão, tudo em um raio de 300km seria destruído e a radiação tornaria a Europa toda, por completo, inabitável.
Em Kiev e Minsk, trens e ônibus estavam preparados para uma evacuação. Os bunkers de Kiev, que já estavam preparados para uma eventual guerra nuclear, foram reabastecidos às pressas.
Eu visitei um destes bunkers e foi tão incrível que vai render um post só sobre isso.
A contenção do calor pelo teto não era suficiente, era necessário conter o avanço do magma que poderia atingir o lençol freático e contaminar o rio que chegaria até o oceano, se alastrando pela Europa e pelo mundo.
Mais de 600 pilotos vieram a morrer por conta da radiação.
Uma comitiva foi até a cidade de Tula para se encontrar com mineiros especialistas. Foi dado a eles 24 horas para irem para Chernobyl. A missão era cavar um túnel de 150 metros e criar uma contenção de 30×30 metros de cimento subterrâneo. Eles tinham entre 20 e 30 anos de idade.
A temperatura de 50 graus célsius e os altos índices de radiação fizeram com que equipes tivessem de se revezar. Em 1 mês, cerca de 10 mil pessoas trabalharam na escavação. Mesmo assim, 1/4 deles, ou seja, 2.500 morreram antes de completar 40 anos de idade.
Estes homens foram fundamentais para evitar uma segunda explosão que acabaria com a Europa inteira e a contaminação do oceano, no entanto, os registros sobre eles foram apagados e eles nunca foram reconhecidos e nem sequer entraram para as estatísticas. São heróis anônimos.
Em 26 de Setembro de 1986, ou seja, 5 meses após o desastre, a URSS, em uma conferência em Viena, para 500 jornalistas, assumiu a responsabilidade e prometeu transparência. O mundo e até os soviéticos nunca acreditavam na URSS dado seu histórico de mentira e manipulação.
Esta conferência foi um dos precursores do Glasnost (“transparência”), uma política implementada por Gorbachev que deu liberdade de expressão, acabou com os Gulags e envolveu mais o povo nos assuntos de estado. Com mais informação e liberdade, o regime comunista viria a cair.
A Batalha de Chernobyl não havia terminado: 100 mil soldados e 400 mil civis, incluindo médicos, enfermeiros e técnicos, trabalhavam duramente na limpeza da radiação. Eram os Liquidadores e por 7 meses atuaram na limpeza inicial da chamada Zona de Exclusão de Chernobyl.
Grupos de caça foram criados para eliminar qualquer animal, desde cães e gatos domésticos que foram abandonados em Pripyat, até animais selvagens. Muitos sobreviveram e é possível encontrar seus descendentes andando por Chernobyl, como este cachorro que fotografei.
A usina ainda ardia e espalhava radiação. Foi projetado um sarcófago de concreto com 170 metros de comprimento e 66 de altura para envolver todo o reator, mas sua construção envolvia riscos e complexidades técnicas por conta da impossibilidade de homens trabalharem no local.
Durante a construção, encontraram pedaços de grafite altamente radioativos no teto que precisavam ser retirados para a construção do sarcófago. Robôs foram enviados para retirar estes pedaços, mas eles começaram a falhar por conta da radiação e se danificaram.
Estes robôs foram retirados e posteriormente abandonados. Alguns deles estão expostos em Chernobyl para os visitantes.
Não havia outra solução senão enviar homens para remover os pedaços de grafite radioativo. Cerca de 3.500 homens se revezaram nesta ação que durou 2 semanas. Eles eram chamados bio-robôs, usavam roupas de proteção que pesavam até 30kg, e só podiam ficar no teto de 1 a 3 minutos.
Enquanto um grupo de liquidadores trabalhava na limpeza da Zona de Exclusão, outro grupo atuava na limpeza do teto da usina e na construção do sarcófago. Cada liquidador recebeu o equivalente a 100 dólares atuais e um certificado de liquidador. Mas não foi isso que ganharam.
Câncer, problemas respiratórios, de pele e diversas outras lesões decorrentes da exposição à radiação foram comuns entre os liquidadores. Muitos deles tiveram uma morte terrível imediata, outros morreram anos depois. Os hospitais estavam lotados de liquidadores.
Casos de câncer aumentaram consideravelmente na Europa, enquanto a URSS, que tinha prometido transparência, se empenhava em ocultar qualquer informação a respeito. Um médico que fez um estudo sobre o impacto da radiação em fetos foi acusado de “corrupção” pela URSS e preso.
Cerca de 8 milhões de pessoas voltaram a morar em áreas próximas à Zona de Exclusão. A região ainda não está livre da radiação, onde plantações e água ainda apresentam índices altos causando deformidades em recém-nascidos. O médico preso estava correto em seu estudo.
Em frente ao reator número 4, o que explodiu, foi construído um monumento em memória a todas as vítimas do acidente de Chernobyl. Após o acidente, protocolos de segurança para produção de energia nuclear foram revistos e intensificados, mas não só isso…
O míssil mais potente da URSS na época tinha capacidade de 100 vezes a explosão de Chernobyl, e eles tinham 2.700 deles.
A discussão acerca de armas nucleares se intensificou a partir de Chernobyl e protocolos de desnuclearização foram firmados com diversos países.
Após 7 meses de trabalho intenso, o primeiro sarcófago foi concluído. Em 2000 todos os outros 3 reatores já estavam desligados e em 2016 um outro sarcófago foi construído envolvendo o primeiro sarcófago dando mais proteção ao local e tornando-o aceitável para visitação.
Mesmo assim, em alguns pontos os níveis de radiação são ainda muito altos. O nível aceitável de radiação seria 0,15, e no vídeo mostro o mesmo lugar saltando de 0,25 para 14,66. Cem vezes acima do aceitável. Visitantes devem passar por 2 processos de descontaminação (vídeo).
Diferente de Pripyat que se encontra abandonada, a cidade de Chernobyl atualmente possui cerca de 2 mil residentes. Em grande parte, pessoas que ainda trabalham, até hoje, na descontaminação do local e na segurança e monitoramento do sarcófago.